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quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Promotores de Deus ou Advogados do Diabo?

Ah, minha alma!
Prepare-se para encontrar aquele que sabe fazer perguntas.
(T. S Eliot)

Justiceiro. Alguém que perdeu a fé no sistema dominante, e ignorando as leis vigentes, passa a fazer justiça com suas próprias mãos. Ou, pelo menos, o que ele mesmo (baseado em convicção puramente pessoal), acredita ser justiça. Como ninguém (eu disse, ninguém) é dono da verdade absoluta, todo justiceiro está regiamente armado com uma metralhadora ensandecida chamada “injustiça”. Certamente, você já deve ter se esbarrado com um destes por aí. Não nos quadrinhos da Marvel. E nem na Netflix. Mas sim, dentro da sua igreja.

Para ser bem sincero, todos nós temos momentos assim. Donos da verdade. Senhores da razão. Beatos auto canonizados. Justiceiros de Deus na Terra. Investigadores de pecados. Assassinos de pecadores. E qual a justiça que prevalece aqui?  Será que o Senhor nos premia com medalhas de honra ao mérito, quando para “orgulhosamente” denunciar o pecado, destruímos propositalmente a vida de quem o praticou? Onde Jesus deixou tal ensinamento?

Dias atrás recebi uma ligação. Do outro lado da linha a voz eufórica de um destes justiceiros da fé. Era notável seu contentamento em compartilhar um possível “pecado grave” cometido por outro irmão da comunidade. E o cidadão (ou cidadã, tanto faz) ainda tem a ilogicidade de concluir sua denúncia (pautada em especulações), dizendo que: - Só estou informando isto à você, por que precisamos orar pelo irmãozinho. A mesma balela usada nos próximos cinquenta telefonemas dados nos minutos seguintes.

Que raio de amor cristão é este? Primeiro eu acuso, difamo e calunio, para somente depois orar em prol de uma pessoa necessitada de força, misericórdia e amparo?

Deus deseja que vivamos uma vida de justiça, rigorosamente enquadrada na legislação dos céus, e não que interpretemos a lei celeste de acordo com nossas conveniências. Se homicidas, adúlteros e ladrões irão ficar de fora da Nova Jerusalém, caluniadores, rancorosos e maledicentes, também não terão suas entradas autorizadas. Então, cuidado com a ferocidade desta boquinha. Mantenha o dedo fora do gatilho. Parafraseando a escritora Simone Monteiro, “falar dos pecados dos outros, não torna você um santo, mas sim, um PECADOR FOFOQUEIRO!”

Deus não precisa de promotores. Já Satanás, sempre tem lugar em sua agência para novos advogados. Pessoas especializadas na burocracia da religiosidade. Leais defensores do legalismo farisaico. Cegos espirituais diagnosticando a miopia do seu próximo. Animadores de tribunais, esquecendo que o lugar de todos os homens não é sentado no júri, e muito menos junto a tribuna. Tem uma plaquinha com o nome de cada um no banco dos réus.

“Justiceiros da fé” se esquecem disto. Apontam o dedo e atiram. Recarregam a língua e metralham. Lashon Hará. Se passam por baluartes da virtude, mas são verdadeiros assassinos espirituais. Fico indignado com discurso unilateral de muitos cristãos. Eles selecionam meticulosamente um texto bíblico para validar suas acusações. Ignoram que a Bíblia é um livro completo, intenso, onde cada parágrafo é contextualizado com a plenitude da mensagem. Por exemplo, já presenciei diversos pastores usando o texto de Malaquias 3:9 para chamar de "ladrão" alguém que, por motivos que lhe são particulares, deixou de dizimar: - Se a sua família não dizima mensalmente, você tem uma quadrilha dentro de casa! 

Mas, se acuso alguém de ladrão, colocando em cheque a dignidade de um homem honesto, não estou comentando perjúrio e semeando contenda? Usar frases fragmentadas como doutrina não é manipular as Sagradas Escrituras? Sim. Justiceiros também são revisores do irrevisível. Basicamente, rasgam a Bíblia "de todos" para justificar a Bíblia que só existe dentro de um único coração rancoroso. E qual o motivo para tamanha apelação? Para que banalizar o texto sagrado em prol de uma ideia mesquinha? 

É porque promotores da fé gostam de rotular pessoas e enquadrá-las numa tabela de preços. Dizer quem é bom ou mal. Dignos ou indignos do céu. Medem com uma régua descalibrada, e nunca aferida. E pouco se importam com os estragos sociais, espirituais e psicológicos desta verborragia egoísta. Então, ecoa pelos templos e lares, a voz onipresente dos pseudos “Promotores de Deus”, que se quer, compreendem que advogam magistralmente em prol de Satanás. Dedos em riste, alcovitice a plenos pulmões:

- Vagabundo!
- Adúltero!
- Ladrão!
- Mentiroso!
- Hipócrita!

Para o justiceiro, ninguém tem muito valor. A não ser ele. Presunçosamente, estes arrogantes vestidos com trapos de humildade, gastam suas vidas na denúncia do pecado... "alheio". Sopram o cisco e ignoram o pedaço de madeira cravado no próprio olho. Espantam a mosca, mas engolem o elefante. Vai entender. Nunca julgue o pecado de seu irmão, apenas por ser diferente dos teus. Este tipo de comportamento já evidência a miséria vivida por um pecador. Pecado elevado ao quadrado. Que Deus tenha misericórdia destes falastrões, pois se a língua tem o poder de injetar veneno nas pessoas a nossa volta, ela também verte toxinas mortais para o interior do homem. Em pouco tempo, todo corpo estará envenenado. Morte certa. E morte eterna.

Os discípulos de Jesus conheciam bem a Lei de Moisés. Eles sabiam que não deveriam matar uma pessoa. Isto os tornaria em homicidas, passiveis de sentenças punitivas na Terra e no Céu. Cristo, foi muito além. O Mestre lhes apresentou a legislação celeste, muito mais rigorosa. O amor em primeiro lugar. O zelo com as pessoas suplantando a devoção institucional. O pecado sendo coagido, enquanto o pecador se sente abraçado pela graça. Jesus não permitiria que seus amigos se tornassem em “Promotores de Deus”. Justos, sim. Justiceiros, jamais! – Vocês precisam entender que existem outras formas de matar uma pessoa. O ensinamento de Jesus não deixa dúvidas. Assassinatos físicos e homicídios morais se equiparam diante de Deus. Dá no mesmo atirar na cabeça de alguém ou disparar palavras mortíferas contra uma pessoa. A mesma imputação. O mesmo julgamento. A mesma sentença.

- Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados: “Não matarás”, e “quem matar estará sujeito a julgamento”. Mas eu lhes digo que qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento. Também, qualquer que disser a seu irmão: “Racá” (leviano/insignificante), será levado ao tribunal. E qualquer que disser: “Louco! ”, corre o risco de ir para o fogo do inferno. (Mateus 5:21-22)

Não. Este não é um texto de apologia ao pecado. Longe disto. Cristo nos chamou para sermos santos, separados e puros em todo tempo. Porém, o processo de santificação é contínuo, permanente, longevo e “não” nos imuniza contra o pecado. Cristo nos redimiu, nos justificou, nos lavou, nos perdoou, e mesmo assim, continuamos suscetíveis ao erro, ao fracasso, as falhas e a todo tipo de ato pecaminoso. Estar de pé, é o estágio que antecede a queda. Nossos olhos são atraídos por painéis luminosos. Os pés escorregam na direção de caminhos tortuosos. É preciso ser sóbrio, vigilante e devotado. Todo dia. O dia todo. Inconformados com o mundo e seus valores deturpados. Todo cristão que se preza, é averso ao pecado, mesmo sendo um pecador em recuperação. Por isso, foge até mesmo do que aparenta ser mal. 

Este é um texto sobre a minha condição. A sua condição. A condição de cada pessoa neste planeta. Somos todos pecadores e carentes da graça de Deus. Desesperados pela misericórdia divina. E nas mãos do Senhor, encontramos justiça equilibrada. Zelo e amor na mesma proporção. Em mãos humanas, tudo é deturpado, falho e propenso ao revanchismo. Chamamos “vingança” de justiça. Chamamos o “fracasso” alheio de justiça. Imbuídos de sentimentos perniciosos, apontamos o pecado (do outro) e clamamos: Justiça!

Mas, se Deus executasse sobre mim, a justiça que exijo ao meu irmão, qual seria a minha sentença?

É muito fácil apontar nas pessoas, os pecados que não cometo. Ou condenar em público os meus próprios hábitos privados. Difícil mesmo, é reconhecer os pecados praticados por mim, e que o próximo (a quem considero menos crente do que eu) nunca praticou. Na verdade, tudo é pecado. Todas as coisas estão nuas e patentes diante de Deus. Inclusive a hipocrisia. Os interesses escusos. As desculpas esfarrapadas. A falácia maliciosa. Os telefonemas perniciosos. As mensagens mal-intencionadas. As reuniões secretas. A língua melindrosa que incendeia a floresta na calada da noite.

Deus não se deixa enganar. Ações geram reações. Semeadura e colheita são vínculos eternos. A única forma de quebrar o ciclo de morte inerente ao pecado, é se entregar ao perdão divino. Só é perdoado quem pode perdoar. Só consegue perdoar aquele que experimentou a força do perdão. Amor gera mais amor. Pecadores que reconhecem suas misérias alcançam a graça de Deus. Justiceiros da fé, sequer conseguem dimensionar a gravidade de seus pecados. Se justificam através da própria “santidade”, e ao não reconhecerem a condição pecaminosa na qual estão imergidos, se blindam contra o perdão. É uma realidade triste. “Promotores de Deus” sendo condenados no tribunal divino por advogarem em prol de Satanás. Inevitavelmente, a “INIMIGOS E ASSOCIADOS ADVOCACIA ACUSATIVA” vai falir, levando consigo todos os sócios (Apocalipse 12:10).

Paulo era inconformado com a condição pecaminosa de seu tempo. Idolatria estatizada. Prostituição institucional. Religiosidade pervertida. Homens e mulheres faziam de seus corpos um altar aos demônios. Dentro das igrejas, uma teologia interesseira causava caos doutrinário, dissenções e abusos. O apóstolo não se calou diante de tantas atrocidades espirituais. Denunciou o pecado, recriminou o pecador e pôs o dedo nas feridas purulentas daquela geração perversa. Porém, Paulo, não se esquivou da própria culpa. Se sentia parte do pacote. Ele podia dizer ao mundo que a graça de Deus se sobrepunha a um mar de pecados, porque tinha plena consciência que também era um pecador. Um feliz beneficiário das misericórdias do Senhor. Paulo não era justiceiro. Nem promotor. E menos ainda, advogado. Ele se sentia agraciado por sua condição. E qual era?  Mais um réu absolvido pelo tribunal de amor, mediante o salvo-conduto lavrado na cruz.

A mim, que dantes fui blasfemo, e perseguidor, e injurioso; mas alcancei misericórdia, porque o fiz ignorantemente, na incredulidade. E a graça de nosso Senhor superabundou com a fé e amor que há em Jesus Cristo. Esta é uma palavra fiel, e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal. (Timóteo 1:13-15)

Justiceiros espirituais gostam de se referenciar em Jesus. Se sentem o próprio Cristo com o chicote nas mãos, furioso com a negociata no templo. Seus discursos depreciativos simulam a autoridade do Nazareno condenando a figueira estéril. Querem agir como Jesus apenas quando lhes convém. Mas, espere... Os exemplos deixados por Jesus se resumem a chicotes e maldições? Se Cristo pensasse desta maneira, certamente a mulher adúltera teria sido apedrejada.  A samaritana nunca beberia da Água da Vida. Zaqueu ainda estaria em cima de uma árvore. Pedro seria apenas mais um grão na peneira de Satanás. E que chances teria o ladrão na cruz?

Não deixe de condenar o pecado, isto seria omissão. Não condene o pecador, isto seria requerer para si uma atribuição que só pertence a Deus. Ambos os casos, pecados gravíssimos com consequências eternas. A saída é exatamente agir como Jesus. Cristo tinha autoridade para apontar, julgar e condenar os pecados do mundo inteiro, porque estava disposto a morrer pela redenção do pecador. 

Então, JUSTICEIRO, quer realmente fazer a diferença na vida de seu irmão? Exortá-lo, redargui-lo, discipliná-lo e ter autoridade efetiva sobre o pecado alheio? Fácil. Troque o seu “chicote” por uma “cruz”. 


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