Arquivo do blog

domingo, 20 de agosto de 2017

Sócios de Deus

Quebrar o juramento é como negociar a própria honra.
(Provérbio Judaico)


Meu avô era averso a contratos. Para ele, um pedaço de papel rabiscado não podia ter mais valor que a palavra do homem. SIM era sim, e NÃO era não. Um único fio de seu bigode, substituía centenas de promissórias e recibos. O velho nunca recuava em seus compromissos e nem camuflava palavras. Moral ilibada e caráter inquestionável.

Mas, com o passar das décadas, ele precisou se adequar as novas regras do mundo. O comprometimento verbal já não liberava créditos imobiliários. Um aperto de mão não selava o débito de uma dívida.  Tudo tinha que ser registrado, carimbado e arquivado. Provas tangíveis. E, meu avô, mesmo não concordando com esta sistemática, se rendeu ao sistema.

Sua palavra, continuou tendo o mesmo peso. Um fio do seu bigode ainda valia mais que mil pedaços de papéis. Mesmo assim, ele assinava contratos para dar segurança as outras pessoas. Na sua peculiar forma de entender as coisas, ao usar uma caneta para sancionar um compromisso já assumido, ele “descia” ao nível das instituições. Cumpria protocolos para os quais não via necessidade de cumprir. E se esta é fosse a única forma de eliminar a desconfiança dentre as partes... Paciência!

Guardada as devidas proporções, em Gêneses 15, encontramos Deus agindo de forma similar. Mas, para compreendermos a atitude do Senhor, é preciso contextualizar sua ação.

Abrão era um semita, filho de Terá, irmão de Naor e Harã. Uma família bem estabelecida e economicamente poderosa, que construiu seu patrimônio investindo em obras de arte. Terá era um famoso escultor, personalidade bem conhecida em Ur dos Caldeus. De suas hábeis mãos, nasciam os deuses de seu tempo. Divindades criadas ao gosto do freguês. Logo, Abrão foi criado entre os deuses, mas, nunca ouviu a voz de qualquer um deles. Eram apenas pedaços de barro bem delineados. Olhos que nada viam. Bocas em silêncio perpétuo. Até que aos 75 anos de idade, ele finalmente ouviu uma voz:

- Abrão... Sai da sua cidade e do meio de seus familiares.... Caminhe em direção a uma terra que você ainda não conhece... Lá eu farei de ti uma grande nação. Te abençoarei e farei teu nome conhecido. Serão abençoados todos os que te fizerem bem, e amaldiçoados os que lhe intentarem o mal. E através de você, todas as famílias da terra serão benditas.

Abrão havia ganho o prêmio máximo da loteria. Riquezas. Bênçãos. Grandeza. Uma país inteiro só para ele. Mas, espere um pouco.... Cadê o bilhete premiado?

Deus não entregou a Abrão um cartão de visitas. Não disponibilizou para ele um portfólio de informações. Não indicou um site para consultas. Sem contratos. Sem recibos. Sem certificados de garantia. Não havia nomes e rosto. Apenas a voz, a promessa e uma ordenança controversa. Deixar tudo para trás e caminhar rumo ao desconhecido. Abrir mão do certo, pelo incerto. Será que valia a pena? Contrariando a lógica (o gerente do banco, o contador e o analista de riscos), Abrão creu na voz do único Deus que não sabia o nome e nem vislumbrava a face.

Pelos próximos anos, peregrinou por vales e desertos. Sua esposa, Sarai, era estéril, e assim, a família não cresceu. Como poderia toda uma descendência nascer de um útero improdutivo? Onde estava a terra fértil, num o caminho permeado por fome, escassez e perigos? Como respostas para todas estas perguntas, Abrão só tinha o ressoar de uma voz...

- Caminhe em direção a uma terra que você ainda não conhece... Lá eu farei de ti uma grande nação.

A comitiva andou errante por caminhos desolados. Passou por Siquem e peregrinou no Egito. Dali, partiram para o Negebe e chegaram a Betel. Abrão construiu um altar e clamou ao Senhor. Nenhuma resposta. Dessesseis anos de silêncio. Para piorar a situação, uma rixa familiar dividiu o grupo em dois. Ló, o sobrinho adotado por Abrão como filho, seguiu rumo as planícies de Sodoma. Abrão caminhou até Canaã, e finalmente chegou a terra que lhe havia sido indicada. Mas, onde estava a nação prometida? E as bênçãos abundantes? Canaã ainda não passava de um território a ser arado e trabalhado. E Sarai, continuava tão infértil quanto antes.

E então, a voz ecoou outra vez...

- Abrão, levanta teus olhos e contempla a terra. Do Norte ao Sul, do Oriente ao Ocidente, tudo o que consegue enxergar, darei a você e a seus filhos. Seus descentes serão tão numerosos como o pó desta terra. Ninguém poderá contá-los.

E mais uma vez, Abrão creu na voz. Ele levantou sua tenda em Hebrom, e ali habitou com Sarai. E naquele lugar, adorou ao Senhor.

Os anos passaram velozes. Crianças corriam ao redor do acampamento. Todos, filhos e filhas dos servos de Abrão. Na tenda principal, Sarai envelhecia. Seu ciclo menstrual já havia cessado, e a promessa de fecundidade parecia, cada vez mais, palavras jogadas ao vento.

Um dia, a voz do Senhor reverberou por toda a tenda:

- Abrão não tenha medo. Sou teu escudo e teu galardão!

Abrão, desta vez, se mostrou desconfortável:

- Ah! Senhor! Me explique melhor que galardão é este. Há anos caminho pela terra, e ainda, moro numa casa sem filhos. Será que meu herdeiro será Eliezer, meu servo de confiança? Você não me abençoou com um único filho sequer...

Deus, então, convidou a Abrão para sair da tenda...

- Olhe para os céus Abrão, e conte todas as estrelas que lá estão. Este será o número de seus filhos. Sou eu que te tirei de Ur dos Caldeus, e te trouxe aqui, para esta terra a qual irei entregar a você.

E nesta hora, mesmo não duvidando das palavras, Abrão pediu um contrato assinado.

- Como saberei que sou o herdeiro legítimo desta terra?

Meu avô era averso a contratos. Para ele, um pedaço de papel rabiscado não podia ter mais valor que a palavra do homem. Imagine, agora, o peso da palavra do próprio Deus. Ele é o que é. Absoluto. Não mente. Não muda. Não falha. Sua palavra não se dissipa com o tempo. Suas promessas retumbam pela eternidade. Mesmo assim, Abrão quer garantias? Pode um contrato assinado ter mais valor que a palavra do Altíssimo?

E é exatamente aí, que Deus nos surpreende. Ele lavra suas promessas no cartório dos céus. E na terra também. Dupla garantia. Deus entende nossas dúvidas. Ele é empático as nuances da humanidade. Compreende que, às vezes, precisamos de algo mais tangível que sua voz. Mesmo que cada palavra proferida por sua boca, tenha peso eternal.

Deus pediu a Abrão que sacrificasse um novilho, uma cabra, um carneiro, uma rolinha e um pombinho. Depois, os corpos deveriam ser partidos ao meio, exceto as aves. As partes, postas uma em frente a outra, formando um caminho entre elas. E porquê?

Nos dias de Abrão, nada dava mais segurança as pessoas, do que um contrato de sangue. Se alguma coisa deveria durar para sempre, então, as partes envolvidas deveriam caminhar por entre corpos partidos de animais. Este era o tipo de contrato que ninguém questionava. Ou renegava. Uma aliança inquebrável. Uma promessa solene de amor e proteção entre as partes envolvidas. Os bens de um, seria somado aos do outro, e então, divididos em partes iguais. Metades que formavam um todo.

Abrão caminhou por entre os animais. E durante toda tarde, espantou as aves de rapina que vinham se alimentar da carne. E no cair da noite, ele dormiu. E em seus sonhos, Deus lhe falou sobre o futuro. Abrão ouviu sobre uma nação sendo peregrina numa terra estranha. Ali, eles seriam escravizados e afligidos por muitos anos. Porém, em meio a este sofrimento, se multiplicariam aos milhares. Eles voltariam para casa, vitoriosos, tão numerosos quanto as estrelas do céu.

Enquanto sonhava, a escuridão noturna foi iluminada por uma coluna incandescente que desceu dos céus, e uma tocha flamejante caminhou por entre os animais partidos. E a “voz” tão conhecida, ecoou como um trovão, acordando Abrão de seu sono:

- Desde o Egito, até o grande rio Eufrates.... Toda esta terra, eu dou a você e a seus filhos!

Um tratado perpétuo. Naquela noite, Deus selou um pacto com Abrão. Nos moldes que o homem conseguia entender a dimensão. Aliança de Sangue. Um rastro de fogo marcava o chão. A carne do sacrífico incinerada pelas labaredas. A voz caminhando pela terra. A caneta divina incendiou os pergaminhos humanos. Deus e homem cruzaram juntos o limiar sacrifical. Mãos dadas. Contrato assinado. Sócio de Deus.

Abrão seria chamado de Abraão, “Pai de Nações”. Sarai, passaria a ser conhecida como Sara, “Mãe de Nações”. E Deus, também ganharia um background. Ainda hoje, o chamamos de “O Deus de Abraão, Isaque e Jacó”. Deus de Palavra. Deus de Aliança.

Nunca duvide da voz de Deus, e nem questione suas promessas. Para nós, a palavra do Senhor está embasada em Aliança de Sangue. Um contrato redigido, registrado e validado na Cruz do Calvário, onde o próprio Deus se partiu por nós. Uma prova cabal de seu comprometimento.

Me permita te dar um conselho. Quando se sentir tentado a duvidar do Senhor, abra a gaveta história, e releia a cópia deste contrato que está impressa em sua própria vida. E atente-se ao verso do documento, onde em anexo, está fixado um vigoroso fio de bigode branco, muito mais alvo do que a neve.  Contrato firmado nos céus e na terra. Em especificações divinas e humanas. Valido e garantido. Benéfico para ambas as partes. Parafraseando a canção “Livro da Vida” (do conjunto Voz da Verdade), “ele foi escrito com pena eterna, e o escritor foi o meu Criador, e esta tinta jamais se apaga, é o sangue do nosso Senhor! ”

Os diálogos e eventos citados neste texto, foram adaptados dos relatos registrados nos capítulos 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 de Gêneses.

Nenhum comentário:

Postar um comentário