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quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

A Guerra dos Egos


Prefiro ser criticado por pregar a união a ser elogiado por semear a discórdia.
(Itamar Esperanto)


Há alguns anos atrás, mais precisamente em junho de 2012, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografias e Estatísticas) divulgou os dados de um censo demográfico, que levou a comunidade evangélica do país ao frenesi. O número de brasileiros que se declaravam “evangélicos”   tivera um crescimento astronômico de 62% em apenas dez anos. Que revelação abençoada! Finalmente uma instituição secular vaticinava oficialmente a tendência que já era sentida dentro dos templos. A maior nação católica do mundo estava se tornando evangélica.

E esta, é uma longa história...

O primeiro culto evangélico realizado no Brasil aconteceu em 10 de março de 1557, três dias depois da chegada de missionários franceses enviados ao país por João Calvino. Em 1630, foi inaugurada a primeira igreja evangélica em terras tupiniquins, filiada à Igreja Reformada Holandesa. Depois vieram os anglicanos, os luteranos, os metodistas, e em 1858, inaugurou-se a Igreja Evangélica Fluminense, a primeira no país no estilo congregacional.  Os próximos a se estabelecerem no Brasil foram os presbiterianos, os batistas e os adventistas. Estas “novas” denominações são historicamente fundamentais para o crescimento do protestantismo brasileiro, já que investiram pesado em educação cristã e criaram os primeiros periódicos nacionais da “imprensa evangélica”.

Em 1911, foi inaugurada a primeira igreja pentecostal do Brasil, chamada inicialmente de Missão da Fé Apostólica, que mais tarde viria a se chamar Assembleia de Deus. Outras grandes denominações do gênero se estabeleceram nos anos seguintes. Igreja de Cristo Pentecostal no Brasil (1937). Igreja do Evangelho Quadrangular (1951). Igreja Pentecostal Deus é Amor (1962). A partir de 1977, com a fundação da Igreja Universal, deu-se início a um movimento chamado “neo-pentecostalismo” (ou pentecostalismo moderno), cujos maiores expoentes são a Igreja Internacional da Graça (1980) e a Igreja Apostólica Renascer em Cristo (1986). Mais recentemente, as comunidades evangélicas também se mostraram um segmento bastante atrativo para novos crentes (Sara Nossa Terra, Projeto Vida, Fonte da Vida, Igreja Mundial do Poder de Deus, Bola de Neve Church, Plenitude do Trono de Deus, entre outras).

Calcula-se que hoje, a cada quatro brasileiros, um é declaradamente evangélico. E as projeções mais otimistas indicam que até 2022, metade da população brasileira será protestante. O segredo para este crescimento estratosférico, passa pela variedade de interpretações teológicas e ideologias diversas que se adequam aos anseios de cada indivíduo. Prosperidade, cura da alma, libertação espiritual, aprofundamento teológico, liberdade de expressão, dogmas, rigidez doutrinária... Independentemente do que você procura em uma igreja, alguma denominação sempre terá um “pacote” que se adeque as suas expectativas. Se isto e “bom” ou “ruim”, não cabe a mim fazer qualquer julgamento. Jesus nos ensinou que não se deve interferir na lavoura, pois ainda não estamos aptos a discernir "o joio do trigo”. No tempo da sega, os anjos se encarregaram do controle de qualidade. (Mateus 13:24.30)

Surpreendentemente, mesmo com tamanha variedade de denominações eclesiásticas, gêneros litúrgicos e estilos teológicos, um fenômeno moderno tem causado apreensão nos líderes cristãos. O crescimento exponencial do efeito MSI - “Movimento dos sem igreja” – Este grupo “não articulado”, e sem lideranças estabelecidas, é formado por antigos adeptos de diferentes denominações, que optam por servir ao Senhor sem participar de nenhuma comunidade eclesiástica, cultuando apenas em casa, ou em pequenos grupos familiares. Com isso, desvinculam-se completamente de qualquer igreja.

A grande maioria dos adeptos deste movimento alegam decepção com as instituições evangélicas e seus líderes, além de discordaram com os rumos tomados pelo “evangelho moderno”.  É claro que o movimento desperta críticas severas à sua ideologia “segregadora”, já que historicamente, o cristianismo tem sido praticado em comunidade. Afinal, a “IGREJA” é identificada nas escrituras como sendo o “Corpo de Cristo”, e qualquer “membro” fora do corpo, estaria fadado a aniquilação (I Coríntios 12:27).

Particularmente, eu não sou um “sem igreja”. Tenho bases bem estabelecidas e estou sujeito a uma autoridade eclesiástica hierárquica. Mas, entendo muito bem esta decepção coletiva que se espalha como um câncer nas entranhas dos nichos evangélicos. Tem muita coisa errada acontecendo. A fé se tornou moeda de troca. O ego humano esconde a simplicidade do evangelho em um cofre com trancas codificadas. As “comissões” e “intervenções” estabelecidas pelas grandes catedrais, tem apenas o objetivo de analisar os resultados bancários de suas afiliadas, e pouco se importam com as pessoas. Igreja se tornou “empresa multinacional”, onde se quer temos nome. Somos apenas um número segmentado que produz algum “conteúdo” para a organização, sendo facilmente descartado (ou trocado) quando a rentabilidade é ineficiente. Uma instituição religiosa, financeira, política, e se sobrar tempo, espiritual.

Igreja se tornou “sistema”. Engrenagens rodando. E a devoção de seus fiéis, é o lubrificante que faz a máquina girar. Existe ou não, motivos para tamanha debandada? É difícil se manter impassível diante de tanto descaso com alma humana. O resultado desta inversão de valores é o aumento diário nos números de “placas denominacionais” que são fincadas em cada esquina. Homens e mulheres que para escapar de um “sistema”, criam seu próprio “sistema”, ainda mais corrompido e pernicioso. O Reino de Deus na terra  se transformou numa arena de egos, onde vence o último a ficar de pé. Ao invés de lutarmos lado a lado por uma causa maior, lutamos uns contra os outros, sem aceitar o péssimo testemunho que damos aos homens com este comportamento boçal e mundano. A igreja deveria ser um polo de amor e compaixão, e não ringue de batalha. As pessoas deveriam entrar por suas portas para cultuar ao Senhor, e não para serem manipulada por mentes maquiavélicas. Com isso, muitos estão “fugindo”, quando deveriam estar “participando”.

Biblicamente falando, a comunhão no templo é fundamental para uma vida cristã sadia, fecunda e produtiva. A adoração coletiva sempre fez parte do devocional cristão. O próprio Jesus fazia questão de estar junto dos seus seguidores, e os orientou a preservarem esta prática. Em essência, no templo somos instruídos e crescemos espiritualmente. Vivendo em comunidade, exercitamos o amor, exortamos uns aos outros, instruímos e somos instruídos. Sozinhos, não servimos a ninguém, não estimulamos a fé de ninguém, não choramos com ninguém e nem testificamos para a edificação de outras pessoas. Falta sentido prático na mensagem vivida.  

Agora, de quem é a responsabilidade por estas carências na vida de uma pessoa que se decepcionou com a igreja e deixou de frequentar a denominação que tanto a frustrou? De Deus? Da igreja? Da própria pessoa?

A vida em comunhão no templo é amplamente aconselhada pelos escritores neo-testamentário, que ressaltam inclusive os benefícios terapêuticos da união fraternal (Romanos 12:15 / Tiago 5:16). Penso, então, que ao invés de evitar a comunhão do Corpo de Cristo em nome da justiça própria, o cristão que “condena” o sistema humano que rege as denominações, deveria sempre priorizar a vontade do Senhor Jesus, que é exatamente, ver a sua igreja unida como um organismo único e funcional (João 17:11). Agindo assim, de modo a agradar a Cristo (e não aos homens, o que incluiu “eu mesmo”), certamente seriamos menos amargos e rancorosos, e ao invés de criticar as instituições e seus adeptos, agradeceríamos a oportunidade de poder prestar um Culto ao Senhor, em comunhão com os demais irmãos de fé, sendo realmente Família de Deus na terra. 

Família de Deus. Como é reveladora esta condição. Minha família tem o hábito de se reunir com regularidade para celebrar a vida e comer comida boa. Nos últimos anos, estas celebrações mudaram de endereço várias vezes. A família cresceu, e cada filho buscou um telhado para chamar de seu. Bairros diferentes. Cidades diferentes. Mas, independente da casa onde estamos reunidos, a família continua preservada. Porque ela é formada por pessoas, e não tijolos. A família está onde nós estamos, o que faz do endereço escolhido, o detalhe mais irrelevante da festa. E quando estamos juntos, o que mais tem é imperfeição. Falamos alto, mastigamos de boca aberta, reclamos de um prato que não nos agrada, e por aí vai. E continuamos a ser família. Não porque “escolhemos ser”, mas, porque “somos”. O amor nasce da compreensão, da tolerância, do respeito que se demostra diante das divergências.  E a igreja não é diferente.

A igreja institucional, aquela que carrega uma placa em sua marquise, é um templo de alvenaria, onde pessoas se reúnem para compartilhar a fé. O propósito implantado por Cristo é a comunhão e a edificação de todos. Mas, convenhamos, a perfeição nunca foi nosso forte. Como toda instituição que existe na terra, ela é cheia de falhas, está impregnada de egoísmo e tem em seu rol, muita gente perversa agindo em nome de Deus, mas motivado por intenções escusas. É impossível não ser contaminado pela decepção, principalmente, quanto mais se conhece os bastidores onde o “circo” sempre está queimando.

Mas, a igreja que Deus habita verdadeiramente, somos nós. Eu e Você. Santuário do Altíssimo, Morada do Pai, Tabernáculo do Senhor. Deus não habita em tendas ou em templos construídos por mãos humanas. Ele habita em corações. E é este templo que precisa estar puro e imaculado. Limpo de perversidade. Apto a receber a presença do Espirito Santo. Testemunhar o amor de Deus a humanidade. Um tempo sem placas, rótulos e egos inflados.  

Eu sei que não podemos melhorar a igreja institucional, isso depende de um esforço coletivo, que poucos estão dispostos a fazer. Mas, por outro lado, podemos aperfeiçoar a igreja individual, que sou eu. Que é você. Isso só depende de mim. Só depende de você.  Amar aos que te odeiam. Orar por seus perseguidores. Falar bem de que fala mal de você. Este ensinamento de Jesus não foi direcionado a uma instituição. Mas, sim, as pessoas. A igreja institucional pode não colocar em prática estes mandamentos, mas você, não tem o direito de fugir da responsabilidade

Falta amor em sua igreja?  Impregna-a com seu amor! Falta luz em sua família? Ilumine-a com sua luz! A apostasia rebaixou as pessoas no nível da mediocridade? Seja a diferença! Faça a diferença. Nada irá mudar se a mudança não começar em mim. Em você. Pare de reclamar da imperfeição da sua igreja, e assim talvez sobre tempo para que você repare em suas próprias imperfeiçoes. Faça uma autoanalise: - Se toda a membresia orasse, jejuasse, contribuísse, se voluntariasse e servisse na mesma intensidade que eu, será que minha igreja seria, de fato, melhor do que ela é?

Conheci um pastor que sempre aconselhava aos seus membros: - Se um dia você encontrar uma igreja perfeita, por favor, não congregue. Na mesma hora, ela se tornaria imperfeita, já que você a impregnaria com suas próprias imperfeições!

Infelizmente (ou felizmente), as únicas atitudes que podemos mudar, são as nossas. Não podemos decidir nada por ninguém. É por isso que a salvação é individual. Não são as placas das igrejas que terão que comparecer diante do Tribunal de Cristo para o ajuste de contas. São as pessoas. Não adiante ficar focado em instituições humanas, porque vamos encontrar todo tipo de erro. Foque se em Cristo, e cuide de se manter no caminho certo, mesmo que você perceba que a igreja A ou B esteja no caminho errado. Lembre-se que a Igreja não salva ninguém. Em alguns casos, só condena. Mas, Jesus salva a alma do homem que se entrega a Ele de coração.

E neste ponto, destrancamos o cofre, e lá dentro encontramos a singeleza do evangelho. Jesus, o Caminho, a Verdade e a Vida. Ele é o alvo, o destino e o porto de chegada. É nesta direção que devemos olhar. Ali não tem erro e nem decepção. Jesus é o parâmetro pelo qual devo me orientar. Ser como Ele. Agir como Ele. Só assim “EU” consigo realmente melhorar. E se a igreja (EU) conseguir ser um pouco melhor, consequentemente, a igreja (NÓS) também será. E o Reino de Deus vai ser honrado em nossas vidas!


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