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domingo, 30 de julho de 2017

O Jardim e o Deserto

Minhas tentações têm sido minhas mestras de teologia.
(Martinho Lutero)

O patriarca Jó teve com Deus um dos mais longos embates ideológicos de toda a Bíblia. Ele considerava injusta as severas punições que lhe tinham sido imputadas. Deus, em contrapartida, lhe fez entender que havia um proposito em cada segundo de seu sofrimento. Ao final da conversa, Jó reconheceu a superioridade de Deus, e humildemente aceitou os argumentos divinos como superiores a qualquer pensamento humano.

Porém, o patriarca ressaltou que aquela era uma conversa injustiça, pois a grandeza de Deus em contraste com a pequenez do homem, o colocava na posição de uma gota diante do oceano. Então, “sugeriu” que deveria existir um “intermediador”. Alguém que compreendesse plenamente a essência de Deus, mas, que também conhecesse as agruras de "ser homem", e pudesse conversar nas duas esferas com a mesma propriedade (Jó 33:23). Mesmo sem saber, Jó estava descrevendo as atribuições de Cristo, confirmadas em I João 2:1.

Deus criou o homem, e o conhece de forma profunda e irrestrita. Sabe suas deficiências e fragilidades, bem como o potencial a ser desenvolvido. Sonda seu coração, escuta os seus pensamentos e conta os seus dias. Deus escreveu o manual de funcionamento do homem, mas na prática, nunca “foi homem”. Deus nunca sentiu frio, fome, medo, ansiedade, angústia, dúvidas ou tristezas permanentes. E o mais importante: Deus não pode ser tentado.

Assim, Deus falava “com” o homem, mas, nunca “como” o homem. Esta aparente “distância” foi eliminada através de Cristo. O “VERBO” se fez “CARNE” e habitou entre nós (João 1:1). Jesus era o próprio Deus encarnado, vivendo entre os homens, composto de corpo, alma e espírito, sentindo na pele todas as debilidades da humanidade, sendo desafiado em todas as esferas da existência humana. Deus estava se pondo a prova, sujeito a todas as paixões e as tentações que enfrentamos diariamente. E como homem (não como Deus), resistiu a cada uma delas.

É interessante notar que em sua forma humana, Jesus foi um alvo prioritário de Satanás, assim como hoje, somos também.  Satanás é um adversário sútil, perspicaz e ardiloso, que embora não deva ser “temido”, jamais pode ser desmerecido, subestimado ou enfrentado sem a estratégia adequada, pois caso contrário, tem a assustadora capacidade de “cirandar” com a alma do homem (Lucas 21:31).

E aparentemente, Jesus estava vulnerável. Uma pombinha indefesa diante da astuta serpente. Após ser batizado no Jordão, Cristo se retirou para um período sabático no deserto. Pelos próximos quarenta dias, ele se privaria de pão, enquanto buscava no Pai, as forças necessárias para seu ministério meteórico e intensivo. Debilitado e faminto, Jesus estava para Satanás, como uma mosca presa na teia. E a aranha infernal esperou o momento certo do ataque.

Primeiro, ele se aproveitou da fome intensificada pelo período de jejum para tentar convencer Jesus a transformar “pedra em pão”. Se cedesse, Jesus estaria agindo fora do tempo estabelecido para seu ministério, e valendo-se da condição divina para beneficiar sua forma humana, fugindo completamente do propósito de sua missão.

Em seguida, Satanás propôs um desafio de “vida ou morte”, tentando inflar o “ego” de Cristo. A intenção era fazer Jesus banalizar sua humanidade, simplesmente para provar que tinha autoridade sobre os anjos, agindo em nome de mera vaidade.

Por último, o inimigo ofereceu a Jesus os governos humanos em troca de adoração. Com isso, Satanás esperava fragilizar o espírito de Cristo e corromper sua adoração. Jesus não cedeu a nenhuma delas.

Jesus se manteve de pé no ponto exato onde o homem caiu: Diante do dilema moral e espiritual de uma tentação. Enquanto o homem foi derrotado no Jardim, cercado de provisões e maravilhas, Jesus triunfou vitorioso no deserto, ladeado por escassez e privações.

A grande verdade é que Jesus acumulou diversas vitórias sobre Satanás. Na cruz Ele o derrotou com Sangue. No céu e no inferno, a vitória veio através de seu Poder. Nada, porém, é mais emblemático que a Vitória no Deserto, pois a arma utilizada foi à mesma que temos em nossa mão hoje. Obediência a Palavra de Deus.

Se Ele (em forma de homem) venceu, podemos vencer também. E fortalecidos por esta jurisprudência, temos também, um alvo a atingir. 

Vale lembrar que embora Satanás tenha tentado Jesus, não foi ele quem o levou para o deserto. Segundo Mateus, o Espírito Santo conduziu Cristo até o deserto, exatamente para que Jesus fosse tentado em tudo. Deus desejava experimentar na condição humana as tentações enfrentadas por nós todos os dias. E Ele venceu todas elas, nos provando que é possível sim, dizer não ao diabo e suas ofertas.

Não podemos perder o foco de nossa missão. O que precisamos com urgência é recuperar nossa compreensão de que Deus tem propósito quando nos leva ao deserto, e aceitar sua vontade. Infelizmente hoje muitos crentes têm tentado fugir de seus desafios desérticos, e pensam que por mero conhecimento teórico, ou pelo tempo de crença e serviço religioso, já podem galgar altos escalonados ministeriais, ou atingir elevado nível de espiritualidade. Ledo engano.

Existem lições que só aprendemos na prática, e o deserto sempre será o lugar de Deus nos experimentar, testar nossas habilidades, conhecimentos e intenções de nosso coração. Deus não pretende mudar sua forma original de tratar com seus filhos. O lugar para se levantar da queda no Jardim é o Deserto.

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