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quinta-feira, 25 de maio de 2017

A maldição da figueira

A parte mais linda do ser humano não pode ser vista a olho nu, e nem a olho humano.
(Ewertoo Vieira)


Marcos 11 registra uma viagem do tipo “bate-volta” realizada por Jesus entre as cidades de Jerusalém e Betânia. Cristo subiu até a capital, entrou na cidade montando em um jumentinho, e foi aclamado “REI” pelos peregrinos que o acompanhavam ao longo do caminho. Visitou o templo, e caminhou silenciosamente pelas ruas de pedra. Depois, voltou para a pequena Betânia acompanhado por seus discípulos.

Naquela noite, Ele jantaria na casa de seu amigo Lázaro, onde desfrutaria de deliciosos quitutes preparados por Marta, e ainda receberia um afago espiritual, quando Maria ungisse seus pés com perfume.

Assim que o sol despontou no horizonte, Jesus mais uma vez colocou seus pés na estrada. Aquele seria um dia cheio de emoções, e Ele desejava estar em Jerusalém antes do almoço. A distância entre as duas cidades era de poucos quilômetros, quatro ou cinco, no máximo, e assim, a viagem poderia ser considerada curta. Logo, os discípulos não programaram paradinhas para “lanchinhos”, e nem se preocuparam em abastecer suas mochilas com comida. Os mais precavidos levavam apenas seus odres com água.

Porém, no meio do caminho, Jesus sentiu muita fome. Ao longe, avistou a silhueta de uma frondosa figueira, que se erguia garbosa e elegantemente a beira da estrada. Ainda não havia chegado a estação propícia para a colheita de figos, mas, certamente, aquela árvore exuberante não lhes desapontaria. 

Ela não estaria ali, a vista de todos, ostentando uma copa farta e deslumbrante, se nada tivesse a oferecer.

Os treze homens dedicaram os próximos minutos de suas vidas a vasculhar cada milímetro da profusa folhagem. Galho a galho. Folha a folha. E não encontraram nenhum fruto. Jesus se indignou com aquela situação. Árvore frutífera sem fruto.  Qual a razão de sua existência? Porque estaria ela a beira do caminho iludindo aos homens com sua beleza vazia?

Para o espanto geral de seus discípulos, pela primeira vez sem seu ministério, Jesus abriu sua boca, e lançou uma palavra de maldição contra aquela figueira:

- Ninguém mais coma de seu fruto (Marcos 11:14).

Aquele, de fato, era um dia atípico para o Mestre.  Seu comportamento estava diferente. Assim que chegou a Jerusalém, subiu ao templo com um chicote nas mãos, e expulsou do recinto os cambistas e os “vendedores” de ofertas. Pessoas mal-intencionadas, que obtinham lucro barganhando a fé e a devoção do próximo. A cada estalo que reverberava nas costas dos mercadores, Jesus também usada sua língua como uma espada de justiça, cujo corte permanece sempre afiado:

- A casa de meu Pai não deveria ser chamada casa de oração para todos os povos? Mas vocês fizeram dela um covil de ladrões (Marcos 11:17).

É claro que os líderes religiosos se indignaram com tamanha ousadia. Imediatamente eles se reuniram em salas secretas, afim de tramarem planos de morte contra Jesus. A multidão estava perplexa com a autoridade do Nazareno, e isto não era benéfico para a religião judaica.

Enquanto os sacerdotes, escribas e fariseus confabulavam a portas fechadas, Jesus se retirou da cidade com seus seguidores. Pernoitaram fora dos muros de Jerusalém. Pela manhã, enquanto caminhavam por entre as árvores, a procura de algum alimento para o café matinal, Pedro foi impactado por uma visão aterradora.

Ali, na frente dele, uma árvore ressequida contrastava com a paisagem verde. Apesar de viva, ela parecia morta. Seus galhos estavam retorcidos, seu tronco envolto em cascas cinzas e crepitantes. Uma espessa camada de folhas engelhadas, forravam o chão a sua volta. Um tipo de árvore muito comum... Em pesadelos densos e tenebrosos.

Pedro chamou a atenção dos demais para a pitoresca paisagem. Os discípulos se entreolharam assustados. Eles reconheciam o lugar. Tinham passado por ali inúmeras vezes. Mesmo plenos de certeza, se negavam a acreditar no que viam. Então, se dirigiram a Jesus:

- Mestre! Vê! A figueira que amaldiçoaste secou! (Marcos 11:21)

Os discípulos estavam com medo. Eles testemunharam curas maravilhosas Estavam lá quando mortos voltaram a vida. Viram com os próprios olhos Jesus caminhando sobre as águas e aclamando tempestades. Mas, aquilo era novo. A presença de Cristo fazia tudo florescer, nunca ressequir. O que estava acontecendo?

A espanto dos discípulos é compreensível. Numa análise pragmática, Jesus estava sendo excessivamente severo. Não se pode esperar que uma árvore dê seu fruto fora da estação. Não se colhe morangos no sertão do Nordeste. As macieiras não estão em flor no mês de setembro. Existe um ciclo natural a ser respeitado. 

A figueira desta história não tinha culpa pela ausência de frutos. Ou teria?

Acredito que o grande erro daquela figueira não era o “quando”, e sim, o “onde”. Ela estava à beira da estrada, numa posição de destaque, aparentando produtividade, quando na verdade, nada tinha a oferecer. A figueira estava para Jesus, assim como os religiosos estavam para Deus. Casca sem conteúdo. Aparência sem essência. Copas sem frutos. Sepulcros caiados. Enganavam os homens, mas, não se esquivavam dos olhos flamejantes do Senhor.

Os líderes religiosos de Israel se portavam como aquela árvore. Gostavam de estar à vista do povo. Oravam alto, arrotando santidade, mesmo depois de se banquetearem na mesa dos escarnecedores. Os sacerdotes caminhavam pela congregação, ostentando suas mitras resplandecentes, enquanto seus corações estavam ocos pela ausência de arrependimento e devoção genuína. Os fariseus ornamentavam seus braços com tefelins, propagando um amor profundo a Lei de Moisés, porém, estavam longe de honrar a Palavra de Deus. Árvores frondosas a beira da estrada, conclamando a admiração humana. Se esqueceram, que Deus procura frutos e não folhas.

Aqueles homens desrespeitavam a sabedoria de Deus. Se apresentavam diante do altar trajando vestes religiosas, enquanto cultivavam a religiosidade em seus corações. Ofereciam a Deus ofertas compradas em barracas de camelos. Vitupério, escárnio e engazopação. O Senhor não se deixar enganar. Árvores sem frutos que se apresentem a Deus lhe ofertando apenas folhagem, fatalmente, irão secar.

Os discípulos tiveram dúvidas quanto a ação de Jesus, porém, não o indagaram. Certamente, Cristo tinha propósito em todas as suas ações, mesmo que não as compreendessem. Quando testemunharam o julgamento divino sobre a figueira, eles temeram, mas não questionaram. Os religiosos, ao assistirem Jesus sentenciando os mercenários do Templo, o questionaram sem temer. Aí está a grande diferença. Quanto entendemos “quem” Jesus “é”, temos compreensão de como devemos nos apresentar a Ele.

Jesus acalmou os seus discípulos. Os ensinou a terem fé em Deus, e autorizou cada um deles a partilhar de sua própria autoridade.

- Eu lhes asseguro que se alguém disser a este monte: - Levante-se e atire-se no mar’ e não duvidar em seu coração, mas crer que acontecerá o que diz, assim lhe será feito. Portanto, eu lhes digo: tudo o que vocês pedirem em oração, creiam que já o receberam, e assim lhes sucederá. (Marcos 11:23-24)  

E quanto aos religiosos? 

Bem, Jesus os deixou numa situação complicada. Ao ser questionado de onde provinha sua autoridade para interferir no regimento interno do templo, Cristo apenas lhes disse que a fonte era a mesma da qual provinha a autoridade que João Batista usava para batizar seus seguidores.

Sacerdotes e fariseus não compreendiam muito bem o ministério de João. Se dissessem que era respaldado pelo céu, seriam obrigados a acreditar em suas palavras. Porém, se humanizassem suas ações, entrariam em conflito com todos os judeus que o consideravam profeta. Para evitar desgastes, os religiosos se omitiam.

Supressão. Negligência Neutralidade. Ausência de frutos. Figueiras frondosas e religiosos omissos. Termos que cabem numa mesma sentença. Um saco de farinha que produz bolos sem sabor ou firmeza. Sem entender João, os judaizantes não tinham a menor ideia de quem era Jesus. Por isso, espiritualmente estavam ressequidos. Como a figueira.

E hoje? 

Como temos nos apresentado a Jesus? 

Quando sentamos no banco da igreja ou tomamos o microfone em nossas mãos, o que temos a oferecer? Quando Jesus nos encontra na rua, a caminho do trabalho, do mercado ou da escola, temos algum fruto escondido na copa da árvore, caso ele esteja faminto?

Este texto não está sendo escrito para condenar ninguém. Sua intenção é conscientizar a todos nós sobre o dia em que Jesus vai parar sob nossa copa e procurar frutos. Sem agendamentos. Sem estações pré-definidas.

Em Lucas 13:6-9, Jesus também estava lidando com pessoas que se achavam “superiores” aos demais. Gente arrogante que se gabava de seus frondosos galhos infrutíferos. Então, Jesus contou-lhes a parábola de um plantador de uvas, que viu uma figueira frondejante crescer em meio as suas parreiras. Ano após ano, ele ia até a árvore, desejoso para comer figos. Mas, nada encontrava.

Um dia, ele chamou seu viticultor e pediu-lhe que cortasse a árvore, pois além de não produzir um único fruto nos três últimos anos, ainda estava "inutilmente" ocupando espaço em sua terra. O funcionário era mais paciente que o patrão. Ele pediu a autorização para adubá-la mais uma vez, e se não surtisse efeito, se encarregaria pessoalmente de arrancá-la do solo na próxima estação.

Pela lei descrita em Levíticos 19:23-25, ninguém podia tirar os frutos de uma árvore nos três primeiros anos. Os frutos do quarto ano deveriam ser consagrados ao Senhor, e apenas a partir da quinta colheita, os frutos podiam ser usados para a alimentação. Assim, o fazendeiro desta parábola estava sendo paciente a muitas estações. Porém, sua “longanimidade” estava chegando ao fim.

A grande lição que tiramos de tudo isto, é que o Senhor não age por impulso. Ele não sai por aí amaldiçoando figueiras à revelia, e nem tem por hábito entrar em igrejas empunhando um chichote nas mãos. Ele respeita nossos ciclos, entende nossas necessidades, e é paciente com as crises emocionais que vivenciamos. Sua longanimidade, porém, não nos isenta de uma cobrança incisiva, quando o tempo da colheita chegar. E ostentar a copa exuberante, é um sinal luminoso para o grande agricultor.

Por hora, não se apresente a Deus se não tiver frutos a oferecer. E aproveite este tempo para começar a produzir muitos frutos. E porque? É que inevitavelmente chegará o dia que o lavrador virá até você. Seja para a colheita, seja para o desmatamento.


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