Arquivo do blog

terça-feira, 28 de março de 2017

A Música, a Arte e a Adoração

Há mais restauradora alegria em cinco minutos de adoração 
do que em cinco noites de folia.
(A. W. Tozer)


Eu nasci no super-estimado “berço evangélico”. E lá se vão mais de três décadas. Posso dizer que testemunhei em loco um longo processo de transformação. Vim de uma época onde a “bateria” era proibida em muitas igrejas por ser um instrumento inventado por Satanás. Recentemente, estávamos tocando um “rock gospel” durante um louvorzão, quando me lembrei deste ensinamento datado, e pensei: - Quem diria! 

Mas, quem é o dono da razão? Os saudosos pastores aversos ao repique de chimbals, bumbos e tom-tons, ou os líderes modernos que transformaram o punk, o folk, o pop e o rap em ferramentas de evangelismo e louvor?

Eu sei que você nem titubeou para responder. Para este assunto, as posições ideológicas são muito bem estabelecidas. As convicções são raízes de berço. 

E se eu te disser que não temos uma resposta definitiva para esta questão?

Até onde sei, não existe um manual divino que classifique instrumentos e ritmos musicais em “santificados” e “amaldiçoados”. O céu não nos enviou um CD com as “10 + do Paraíso”, afim de termos um parâmetro se os hits celestes são forrós, pagodes, tangos ou frevos. 

Tenho certeza, que neste exato momento, alguém imediatamente se lembrou de Mateus Iensen, Irmãs Falavinha, Luiz de Carvalho, Feliciano Amaral, Alceu Pires e Josias Meneses, como exemplos de "hinos" que agradam a Deus. Outros, sequer, sabem quem são estes “velhos”, e acreditam que nas rádios do céu, o "hit parade" é liderado por Damares e Cassiane. Ou Tales e Anderson Freire. Eu ouvi alguém gritando Voz da Verdade?

Não se engane pelas emoções. A verdadeira adoração nunca está vinculada a rótulos. Ela excede os nossos gostos pessoais. Uma música não é menos abençoada (ou abençoadora) por que não gostamos dela. E nem o contrário.

A grande verdade, é que uma boa música cristã, independente do gênero, estilo ou período, só pode ser considerada genuinamente espiritual, se tiver a influência do Espírito Santo em sua composição. E em cada execução. Caso contrário, será apenas uma boa música. Agrada aos ouvidos, mas não edifica.

A palavra “música” é relativamente nova, e vem do grego “mousikê”, que significa “arte das musas”. Os historiadores recorrem a pré-história para tentar encontrar sua origem nos rituais religiosos de povos primitivos. Mas, é claro, que como cristãos, sabemos que a música antecede as origens da própria terra, e seu propósito é muito maior que honrar meras divindades ficcionais. 

A música é a arte mais influente no mundo, estando presente em todas as sociedades do planeta, desde os acordes bem delineados das grandes orquestras europeias, até os murmúrios silábicos dos cantos tribais.  O fato de cantar, ou ouvir uma música, pode desencadear poderosos efeitos emocionais (e espirituais) num indivíduo. Exatamente por isso, as mídias mais influentes sempre transmitem sua mensagem aliada a uma bem planejada trilha sonora. Pense em um filme memorável e logo uma melodia ecoará em seus ouvidos.  A música rotula mortais como deuses, estabelece padrões de comportamento, elege políticos que nada tem a oferecer ao seu eleitorado (exceto um bom "jingle") e transforma grupos sociais em manadas guiadas por timbres eletrônicos ensandecidos.

Nas mãos humanas, a música, que em essência é neutra, se torna uma poderosa ferramenta para manobras de massa. Então, a grande questão é como devemos usá-la, e esta resposta pode ser encontrada nas páginas da Bíblia.  

Podemos dizer que a música não é uma invenção humana, já que ela está presente no céu. Antes dos homens existirem, estrelas e anjos já cantavam para louvar ao Criador, e os seres angelicais faziam uso de instrumentos musicais criados pelo próprio Deus (Jó 38-4-7 / Ezequiel 28:13-15). Como a música chegou ao homem ainda nos é um mistério, mesmo que seja possível pelo texto bíblico, vislumbrar o Éden como a porta de entrada. 

Desde os primeiros capítulos da Bíblia, encontramos a música como uma importante ferramenta de comunicação, seja entre os homens, ou da humanidade para com Deus. Em Gêneses 4:21, somos apresentados a um descendente de Caim chamado Jubal, identificado como o primeiro grande musicista da história, pai de todos os harpistas e flautistas.

A partir daí, de acordo com o livre arbítrio concedido ao homem, a música está sempre presente, seja em rituais religiosos, cerimonias sociais, convocações de guerra e cultos a divindades variadas. Assim como na tecnologia, na medicina e até nas redes sociais, o bem e o mal não está na ferramenta usada, e sim, nas mãos que a utiliza. Se Nabucodonosor usou a música como uma forma de opressão e ameaça (Daniel 3:15), Davi preferiu usar seus dons musicais para trazer conforto e libertação (I Samuel 16: 19-23). O céu nos entrega presentes valiosos, mas nós escolhemos como usá-los. 

Entre os maiores exemplos bíblicos do bom uso da música como uma ferramenta de louvor, adoração e edificação, podemos citar o rei Josafá, que preferiu cânticos ao invés de armas na maior guerra que enfrentou (II Crônicas 20), Paulo e Silas, que promoveram um avivamento na cidade de Felipo, adorando ao Senhor dentro da prisão (Atos 16), e o próprio Jesus Cristo, que num momento de grande angustia as vésperas de sua morte, cantou um hino com seus discípulos (Mateus 26:30 / Marcos 14:26). O povo de Israel era versado na arte dos cânticos e impressionavam as nações contemporâneas pela sua qualidade musical (Salmo 126). O Velho Testamento possui um verdadeiro hinário que conta através de canções memoráveis a profícua relação entre Deus e seu povo, que é o livro de Salmos, dos quais muitos eram cantados já na escadaria do Templo.

Em todos estes casos, a música fez parte de um contexto de adoração. Adorar é mais que cantar. A música em si não adora ao Senhor. Nossas ações sim.

Meu irmão mais novo, Jhonatas, liderava um grupo de coreografias na igreja. Aprendi muito cedo, que a “dança” era um pecado horroroso, e agora, estava assistindo a verdadeiros “números musicais” durante o culto, com direito a coreografia artística e efeitos especiais. Um dia, perguntei a ele qual era a sua motivação interior para adorar a Deus através de movimentos ritmicos e artísticos. Não seria melhor pregar, cantar ou falar em línguas? Sua resposta foi simples e poética: 

- Estamos ensaiando! Somos a Noiva de Cristo o esperando para a maior dança da história!

Não concorda? Este é um direito seu. Mas, conheço algumas pessoas que concordariam com este argumento em gênero, número e grau. Após a travessia do Mar Vermelho, Miriam liderou as mulheres hebreias numa celebração de ritmos e danças (Êxodo 15:20). Ao ver a Arca da Aliança voltando para Jerusalém, Davi louvava a Deus “bailando e saltando” (II Samuel 6:16). 

Em Apocalipse 4, ao narrar sua visão na Ilha de Patmus, João testemunha que ao redor do Trono do Altíssimo, acontecia um espetáculo de adoração que saltava aos olhos: relâmpagos, trovões, vozes, lâmpadas de fogo, os vinte e quatro anciões que em meio ao louvor executavam movimentos ritmados com suas coroas, e a representação quase teatral dos seres viventes de múltiplas faces (leão, águia, boi e homem). Isso sem contar a exímia coreografia das asas angelicais descritas pelo profeta em Isaías 6:2, que reverenciavam a santidade de Deus. Habilidades artísticas, sendo usadas para adorar ao Altíssimo. Na Terra e no Céu.

A arte pode ser definida como uma habilidade (ou disposição) dirigida para a execução de uma finalidade prática ou teórica, que é realizada de forma consciente, controlada e racional. Por esta definição pragmática, já é possível um entendimento que a arte pode (e deve), ser usada como uma ferramenta de adoração, já que nosso culto ao Senhor, também deve ser consciente, controlado e racional.

Em Romanos 12:1, o apóstolo Paulo nos ensina que devemos apresentar o nosso corpo à Deus, como um “sacrifício vivo”, santo e agradável, é que este seria nosso culto racional. No grego, o termo equivalente a culto é “latreya”, que significa “serviço”. Já a palavra “racional” vem de “logikos”, que nos remete a ideia de algo prático, lógico, raciocinado.

Considerando que o ato de sacrificar constitui-se no fato de imolar uma vítima como oferta a uma divindade afim de expiar uma culpa ou oferecer oblação, o que Paulo nos ensina é que, diante do Senhor, devemos sacrificar nossos desejos e intenções, matar nossas próprias ambições, e usar nossas habilidades e disposições com o único propósito de agradá-lo. E este processo serviente, apesar de santificado, precisa ser realizado de forma consciente, controlada e racional.

Um “artista” é alguém envolvido na produção da arte, empregando sua criatividade e habilidades para a transmissão de uma mensagem. Assim, todo artista pode usar sua arte para o bem ou para o mal, seja buscando transmitir valores corrompidos, ou honrando ao Senhor com seu serviço. Tudo passa pela consciência. 

No século XVIII, os europeus desenvolveram o conceito das belas-artes, classificando inicialmente seis delas: MÚSICA, DANÇA, PINTURA, ESCULTURA, ARQUITETURA e POESIA. Já no fim século XIX, os irmãos Lumière, desenvolveram a tecnologia cinematográfica (CINEMA), que através do “Manifesto das Sete Artes” (escrito pelo italiano Ricciotto Canudo), passou a ser conhecido como a sétima arte. De forma extraoficial, outras manifestações artísticas passaram a integrar esta lista a partir do último século: FOTOGRAFIA, QUADRINHOS e GAMES.

Todas estas manifestações artísticas são prodigiosas formas de se transmitir uma mensagem, estabelecer conceitos e transformar a sociedade na qual são disseminadas. Assim, todo artista é um formador de opiniões, um influenciador de gerações e um artesão de mentes.  Exatamente por isso, as artes são uma poderosa ferramenta de evangelização e discipulado, o que nos remete automaticamente a adoração do serviço racional. E estas ferramentas já são usados por homens e mulheres de Deus a muito tempo. Elas ultrapassam até mesmo os limites da existência humana.

Adorar a Deus é uma entrega sincera de corpo, alma e espírito, libertando-se de convenções e legalismo, sem abrir mão da racionalidade, para da forma mais sincera possível, e usando aquilo que temos de melhor, celebrar ao Criador do Universo, cantando, gritando, dançando, falando em línguas ou até mesmo em contido e profundo silêncio.

Independentemente de sua arte, o “ADORARTISTA”, ou seja, o “artista adorador”, precisa derramar seu coração no altar, demostrando amor ao Senhor de forma honesta, pura e perfeita, sendo verdadeiro consigo e com Deus. Não existe qualquer demérito em ser extravagante, ousado e criativo, desde que estas habilidades sejam depositadas aos pés de Jesus (Lucas 7:37-38). 

Na adoração, não existem regras absolutas pré-definidas por padrões humanos, mas, sempre haverá uma condição a ser seguida, estabelecida pelo próprio Cristo: Espírito e Verdade (João 4:23).

Nenhum comentário:

Postar um comentário