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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

O Sábado

Quando descanso? Descanso no amor.
(Madre Teresa de Calcutá)


Os dez mandamentos dados por Deus para a nação de Israel, pode muito bem ser dividido em dois fascículos distintos, de fácil compreensão e que se completam mutuamente. O primeiro pode ser entendido como um manual do relacionamento entre a nação e o próprio Deus, e o segundo apresenta as diretrizes para uma relação cordial entre os homens.

No que tange ao relacionamento verticalizado com seu Criador, Israel é ensinado a não ter outros deuses além do grande “Eu Sou”, não fazer imagens de esculturas para adorá-las, não banalizar o nome de Deus e guardar o sábado como um dia exclusivo de consagração ao Senhor. Já quanto aos relacionamentos horizontais, visando a fraternidade entre israelitas, foi lhes ordenado que honrassem seus pais, e que não praticassem assassinatos, adultérios, furtos e perjúrios, além de banirem a cobiça de suas vidas. Soma-se ao decálogo, mais de 600 preceitos legislativos, popularmente conhecido como “Lei de Moisés” que davam as diretrizes sociais, morais e religiosas da nação. Este compendio de leis, a “mitzvot”, está registrado no texto sagrado do Pentateuco, e contém cerca de 365 “proibições” diretas e 248 “recomendações”.

Jesus nasceu numa época dominada por religiosidade vazia, onde líderes judaizantes “amarravam fardos pesados sobre os ombros do povo, mas eles mesmos não se dispunham a mover um único dedo para ajudá-los a carregar” (Mateus 23:4).

A intenção de Jesus nunca foi se opor a lei. Pelo contrário, Ele mesmo a cumpriu com rigor (Mateus 5:17). O objetivo de Cristo era ensinar que a verdadeira religião ultrapassava a frieza da lei, e era preciso que a obediência a Deus não estivesse atrelada a uma imposição constitucional, mas sim, a um desejo genuíno de adorá-lo por quem Ele, de fato, “é”. Assim, toda a mensagem de Cristo apontava para o REINO DE DEUS, ensinando o caminho de volta para o Pai.

Jesus tinha autoridade sobre a lei, pois não apenas participou ativamente de sua revelação, mas porque a cumpriu integralmente como homem. Por este conhecimento de causa, Jesus pode reinterpretar a lei para seus discípulos de forma que ela fosse clara e cristalina para os cristãos que viriam depois. A visão de Cristo para a lei é singela, porém profunda, e torna obsoleta toda veneração exclusivista por qualquer um dos seus preceitos. Segundo Jesus, mestre da lei e Filho de Deus, toda a “mitzvot” pode (e deve) ser condensada (e praticada) num único mandamento: - “Ame ao Senhor, teu Deus, de todo coração, de toda a sua alma, com todas as suas forças e com toda a sua capacidade intelectual. Feito isto, ame ao teu próximo como se ele fosse você. ” Quando não é embasada em amor para à Deus e às pessoas, toda e qualquer religião é nula e sem proveito (Tiago 1:22-27).

Jesus estabeleceu um novo padrão para sua igreja, livre de legalismo e avesso a religiosidade pragmática. Seu mandamento é que penhoremos nossa vida em amor. Paulo foi taxativo quando escreveu aos crentes em Roma, que não deveriam ter qualquer dívida para com a sociedade, exceto o amor, pois aquele que ama cumpre a lei (Romanos 13:8). Ações que não se baseiam em amor puro e genuíno, não tem qualquer sustento diante de Deus.

Jesus foi insistente neste ensinamento, ora com palavras, ora com ações, questionando o falido sistema religioso de seu tempo, que usava a máscara do “zelo” para justificar suas atitudes egoístas e seu descaso com os menos favorecidos, colocando a guarda do sábado como um obstáculo para o fim do sofrimento que consumia a vida de um homem. Onde os “zelosos” fariseus viram uma afronta à lei de Moisés, o “amoroso” Jesus viu a oportunidade de transformar uma história, honrando a Deus no sábado, como honrava em todos os demais dias da semana, amando ao próximo e estendendo sua mão ao necessitado.

O mandamento da guarda do sábado nada mais era que a oficialização legal de um exemplo dado pelo próprio Deus na criação do mundo, ou seja, a necessidade de um dia para descansar (Gênesis 2:2). O ser humano foi criado do barro, e em decorrência do pecado, este corpo corruptível tem um prazo de validade muito curto, se deteriorando com a passagem do tempo. Para aumentar a vida útil da “máquina humana”, é preciso alguns cuidados rigorosos, e entre eles, o repouso necessário.

Deus desejava que o homem tivesse a consciência desta necessidade, mas sabedor da inclinação egoísta pelo “ter cada vez mais” tão inerente em todos nós, incluiu este preceito no decálogo para fazer com que o ser humano descansasse na “marra”, tendo um tempo específico para se dedicar a coisas menos efêmeras. O Salmo 39:6 faz uma interessante análise sobre a vida: “Com efeito, passa o homem como uma sombra; em vão se inquieta... Amontoa tesouros e não sabe que os levará”... De nada vale trabalhar toda uma vida, ajuntar bens e tesouros, e nada ter para levar na eternidade (Lucas 12:15-21).

Durante seis dias, o homem deveria trabalhar e retirar do “suor” de seu rosto o sustento para sua família (Gêneses 3:19). Porém, no último dia da semana, toda a agitação deveria ser substituída pela introspecção, e o labor pesaroso daria lugar a um merecido repouso. Neste dia em particular, o homem deveria estreitar sua relação com Deus, que infelizmente, é afetada diretamente pelo excesso de atividades diárias. É uma via de mão dupla, onde Deus dá ao homem a condição de recuperar suas energias físicas, e ao mesmo tempo, ter um momento de intimidade com seu Senhor.

O problema, é que os religiosos deturparam este princípio, e um mandamento que deveria trazer descanso para o corpo, se tornou um peso para alma. Os discípulos foram julgados por colher espigas no sábado. Enfermos foram censurados por serem curados no sábado. O dia do descanso se tornou o dia do legalismo. O dia em que o zelo sobrepujava o amor.

Então, chega Jesus para modificar esta realidade. Sua mensagem é um convite para todos que estão cansados e sobrecarregados: - Vinde a mim, e eu vos aliviarei... Exatamente por isso, Jesus era um verdadeiro imã de problemas. Bastava andar algumas horas ao lado para estar cercado de pessoas marginalizadas, esquecidas pela sociedade, cansadas da vida e sobrecarregas pelas imposições legalistas da religião. Jesus ia até elas sempre com a mesma proposta: - “Deixe o seu fardo pesado comigo, e passe a carregar o meu, pois o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (Mateus 11:25).

O tal “jugo” ao qual Jesus se refere, é uma peça de madeira também conhecida como canga, que serve para unir dois bois, fazendo com que andem numa mesma passada. Jesus não apenas propõem uma troca de fardo, como também se voluntaria para caminhar lado a lado, dividindo o peso e facilitando a jornada. Assim sendo, Jesus utilizou o sábado para oferecer “alívio” para almas sobrecarregadas pelos encargos da lei (Mateus 12:9).  

Jesus reinterpretou a lei e modificou um dos seus mais dogmáticos conceitos. Não no proposito, mas sim no alcance. Em Cristo, o sábado se se tornou símbolo de um descanso completo, não apenas para o corpo, mas também para a alma.

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